domingo, 24 de janeiro de 2010

Quem tem Medo da Amizade?

"Feliz aquele que encontra um amigo digno desse nome."
Menandro

Há uns tempos, escrevi aqui um pouco acerca da forma como entendo a família.
Hoje quero falar dos amigos.
Afinal, o que são os amigos?
Alguém sabe explicar?
Ralph Waldo Emerson dizia que o amigo(sera a verdadeira obra-prima da natureza. E eu concordo. Concordo, até porque as obras-primas não andam para aí ao pontapé. Tal como os amigos.
Teremos nós todos a sorte de poder afirmar, com toda a certeza, que temos amigos?
E teremos nós todos a capacidade de ser amigos?
Responderia às duas perguntas negativamente.
Na minha adolescência li a série completa de Anne of Green Gables, de Lucy Maud Montgomery, conhecida no nosso país como Ana dos Cabelos Ruivos, no formato de desenho animado.
Adorei a personagem principal por me identificar com ela em muitas coisas, entre as quais, a sua noção de "bosom friend" - amiga/o do peito. E foi o que tentei encontrar, durante anos, sem sucesso.
Serão os amigos do peito, não apenas, obras primas da natureza, mas também, e sobretudo, obras de ficção?
Ou será a dificuldade em encontrar amigos e em manter amizades um produto da nossa época?
É bem visível que o homem tem vindo a voltar-se, cada vez mais, para o seu próprio umbigo. Se, no Renascimento, o homem passou a ser o centro do universo, no século do progresso ou, como diz o historiador, Niall Ferguson, o século da guerra do mundo, o umbigo de cada um passou a ser o centro do universo. E depois do umbigo não sei muito bem onde irá parar o nosso universo... para as entranhas?
A vida urbana, bem como o bombardeamento dos meios de comunicação social, que promovem o desenvolvimento da identidade individual de cada um, por oposição à identidade colectiva, tornou-nos insensíveis ao próximo.
A experiência também.
Em bom rigor, devo dizer que, olhando para os tempos da minha meninice, e comparando-me à minha filha, constato que tudo mudou.
Mas a amizade, como a paixão, não deveria ser um daqueles conceitos imutáveis e imortais? Pelo menos foi disso que sempre ouvi falar. Terão os nossos antepassados andado a espalhar mentiras? Não será o ser humano incapaz de forjar amizades com os seus pares?
Às vezes é o que parece.
Os amigos do peito, tanto quanto sei, são como as famílias perfeitas: não existem.
Existem, sim, os amigos circunstanciais. Mas aqueles que largam tudo para vir em nosso auxílio, que estão sempre do nosso lado, que nos aceitam tal como somos e que não competem connosco - esses - ou são uma raça extinta, ou não passam de um mito, criado há centenas de anos por algum pai ou alguma mãe, para consolar os filhos. Ou por um qualquer filósofo ou pensador, num momento de puro delírio.
Gostaria de colocar aqui essa pergunta.
Alguém se sente capaz de afirmar que tem um (ou mais) amigo(s) verdadeiro(s)?
Só poderão responder a essa pergunta as pessoas cujos amigos se mantiveram a seu lado durante todos os altos e baixos das suas vidas. Que ninguém que jamais tenha passado por uma fase má da sua vida declare ter amigos a sério, porque é quando temos problemas que podemos separar o trigo do joio. E raro é o caso em que ficamos com alguma coisa.
As amizades verdadeiras não podem ser disfuncionais, como as família, ou não merecem o título de amizade, mas de dependência mútua.
As famílias disfuncionais permanecem famílias porque se criou o mito de que o sangue fala mais alto e porque a vasta maioria das pessoas tem horror a ficar sozinha no mundo - que é o que acontece se largamos a família.
As amizades não têm esse elemento vinculativo que é o ADN.
Ou temos um Karma fantástico e encontramos esses tais amigos do peito, em quem podemos confiar sempre, faça chuva ou faça sol, ou somos meros mortais que, obcecados com o seu umbigo, não confiam em ninguém, nem deixam ninguém aproximar-se deles.
Andem um pouco pelas ruas.
Inúmeras são as vezes que vejo pessoas a chorar, sozinhas. Estendidas no chão. Loucos delirantes, daqueles que esbracejam e gritam.
Raras são as ocasiões em que vejo alguém parar para ajudar o próximo.
Eu própria não o faço. Por medo. Mas sinto grande vontade de o fazer.
Será que tudo se resume a isso? A um medo oculto, dentro de cada um de nós, de sermos maltratados, quando tentamos ajudar?
Digo que nem sempre será o caso.
Este Verão dei uma queda aparatosa na praia e fiquei alguns segundos estendida no chão, com o susto e com a violência da queda. Mas o que mais me chocou foi constatar que as dezenas de pessoas à minha volta me estavam a observar, com expressões de gozo, e que nenhuma delas teve o impulso de vir ter comigo para me ajudar a levantar e perguntar se me sentia bem.
E há exemplos muito mais graves.
Será esta uma prova de que a humanidade está, de facto, a perder a capacidade de sentir empatia ou compaixão pelo próximo? Será que andamos tão assustados com todo o caos em que o mundo está que não nos atrevemos a criar laços seja com quem for?
Sim, porque ouvimos histórias incríveis.
Sim, porque só vemos coisas tenebrosas a acontecer à nossa volta.
Estaremos nós tão atarefados com o desenvolvimento do nosso ego que nem nos apercebemos de que a vida pressupõe interacção com o próximo - o tal conceito de "Amai o Próximo"? Quem sem interagirmos com o próximo não vivemos a vida?
"Nenhum homem é uma ilha", diz John Donne.
Concordo, mas se fosse traçar um mapa das minhas interacções sociais, obteria um planeta constituído unicamente por ilhas. Não só sem continentes, mas com aglomerados de ilhas separadas, umas das outras, e separados por mares intransponíveis.
O que não falta por esse mundo fora são movimentos de solidariedade e de promoção da amizade, mas se os observarmos à lupa, vemos que todos são formados por indivíduos estanques, que não se encaixam uns com os outros para formar um todo.
Aliás, às vezes sinto-me transparente. Ando pelas ruas e as pessoas à minha volta não se desviam da sua rota para não colidirem comigo. É sempre em frente. Pisam-nos, acotovelam-nos, empurram-nos e seguem em frente, como se não estivéssemos ali.
Sinto-me só, nesses momentos.
Perco a fé na Humanidade com Letra Maiúscula.
Perco a expectativa de que, um dia, tudo possa mudar e que as pessoas darão as mãos, umas às outras, não com o intuito da lhas morderem, mas com o intuito de as ampararem.
Apercebo-me de que a única hipótese que nos resta é mudarmo-nos nós, a nós próprios e adaptarmo-nos a esta nova - ou não - realidade: a realidade das amizades assépticas, incaracterísicas, impessoais, oportunistas, ocasionais e por demais fugazes. As amizades de mesa de café, temperadas a cigarros e bicas, entre tremoços e imperiais. Acabado o jogo, acabada a universidade, acabados os dias vãos da juventude, cada um vai para o seu cantinho, cada um vai à sua vida, os anos passam e as pessoas esquecem-se... porque o homem é, e sempre foi, um ser solitário, profundamente egoísta e oportunista, que só se interessa pelo seu próprio bem-estar e não vê muito mais para além do seu nariz.



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