terça-feira, 26 de janeiro de 2010

A Família: Lar Desfeito vs. Lar Intacto


“A família é um conjunto de pessoas que se defendem em bloco e se atacam em particular”.
Condessa Viane

O que é uma família? E para que serve?
Nos tempos que correm, devemos nós ainda encarar a família como um núcleo a preservar? Será a manutenção-a-todo-o-custo da família algo assim tão fulcral para o bom funcionamento da sociedade? E poderemos nós considerar que os bons valores, princípios e costumes só poderão ser transmitidos às crianças no seio da família dita intacta?
Creio que deveríamos todos parar um pouco para repensar o conceito de família unida. Se, há tempos, a preservação da família era garantia da multiplicação da espécie humana, hoje em dia, manter uma família "intacta" é um atentado à sanidade mental do indivíduo.
Vries diz: “Quando já não suporto pensar nas vítimas dos lares desfeitos, começo a pensar nas vítimas dos lares intactos.”
Faço minhas as suas palavras.
O que é, afinal de contas, um lar desfeito? E um lar intacto?
Olho à minha volta e encontro inúmeros exemplos das duas modalidades.
Tenho algumas dúvidas. Ajude-me o leitor a entender os dois conceitos.
O lar desfeito é aquele em que os pais se divorciam, porque não se entendem e procuram viver melhor?
O lar intacto é aquele em que os pais se mantêm juntos, pelos filhos, numa vida conjugal infeliz?
Quem fica mais traumatizado para a vida: o filho de pais que se divorciam em busca de relações mais plenas e de uma vida mais calma e pacífica, ou o filho de pais que se mantêm juntos alegadamente por ele, mas que passam o tempo a desrespeitarem-se, a gritarem um com o outro, a culpabilizarem-se por todas as desgraças e, até, a espancarem-se e a traírem-se?
Mil vezes o lar desfeito.
Conheço vários lares intactos e confesso que os considero grandes farsas.
Há casais que se detestam nitidamente. Em que a casa é um verdadeiro campo de batalha. Para quem a vida em família constitui um constante desafio. Insultam-se, batem-se e etc. Tudo pelos filhos.
Valerá a pena viver assim? É esse o melhor exemplo a passar à progenitura?
Será normal encarar as reuniões familiares como batalhas campais a que as pessoas comparecem só porque “há” a obrigação de estar com a família?
Será normal as famílias (des)funcionarem assim em prol da união?
Qual união? A de corpos?
Teremos nós de viver sob a tirania do sangue?
Será positivo para as crianças verem os adultos à batatada na ceia de Natal e nas festas de aniversário, a beberem uns copitos a mais para se aturarem, uns aos outros, e comerem a correr para se poderem pirar dali o mais depressa possível?
Será essa a opção mais saudável para os nossos filhos?
Despertem.
Precisam-se de corações.
Precisam-se de almas.
Precisa-se de harmonia, amor, inteligência, paz, serenidade e tolerância.
Um lar desfeito é o quê, exactamente?
Aquele em que os progenitores chegam à conclusão de que já não se amam e de que não aguentam viver juntos, optando por procurar, cada um, um parceiro que amem?
Não se traduzirá o lar (dis)funcional desfeito em dois lares funcionais?
Não será preferível que as crianças cresçam convictas de que o mais importante a preservar não é a família-conceito-físico, mas sim a família como poiso seguro, fonte inesgotável de carinho, devoção e amor incondicional?
“O interior das famílias é muitas vezes perturbado por desconfianças, ciúmes e antipatias, e enganam-nos as aparências de satisfação, calma e cordialidade, fazendo-nos supor uma paz que não existe; poucas há que ganham em ser aprofundadas.” La Bruyére
Concordo. É o que mais se vê.
Deveremos nós defender a coesão familiar, mas, ao mesmo tempo, alimentarmos inimizades, raivas e ódios com os do nosso sangue?
Como já disse noutro texto sobre a família, os nossos primos, tios, irmãos e pais são quem mais tende a criticar-nos e a atacar-nos. São eles que mantêm vivos em nós os nossos defeitos, que não nos perdoam pelas nossas decisões mal-tomadas, que não acreditam no nosso potencial de mudança e que mais nos ridicularizam. Assim é, na maioria dos casos.
E há aquelas famílias que se dividem em clãs rivais.
Os bons e os maus. Preto no Branco. Pão-pão, queijo-queijo.
“Uns sapatos que ficam bem numa pessoa são pequenos para uma outra; não existe uma receita para a vida que sirva para todos” Jung
Retirem das paredes de casa as fotos da família feitas em estúdio e substituam-nas por fotos instantâneas do dia-a-dia.
Acabem com os bordados e os pratinhos pintados a ostentar lemas católicos de promoção da família, só para nos iludir.
Não passam de lembretes. De wishfull thinking.
Há que abrir os olhos. Não podemos continuar a seguir modelos que não funcionam.
Vejamos as famílias disfuncionais, onde se pratica o incesto, a violência doméstica e os crimes passionais? Essas também devem ser mantidas a todo o custo? Para quê? Pelos filhos? Por causa da religião?
Alguém de entre nós preferia ver os pais casados, independentemente de estes se maltratarem diariamente?
Julgará alguma mulher que mais vale deixar o marido abusar da filha, do que deixá-la crescer sem ter o pai em casa?
Deixem-se de hipocrisias e cinismos.
Sejamos sinceros e verdadeiros.
Acabemos com esta intoxicação absurda de valores sem sentido.
Toleremos o próximo, mas não sacrifiquemos a nossa felicidade por uma causa perdida. Os nossos filhos agradecerão se os educarmos para serem pessoas sensatas e sensíveis, em vez de verdadeiros blocos de gelo andantes, orientados para as carreiras, e incapazes de estabelecer relações íntimas com as outras pessoas.
Deixem lá de arreliar os homossexuais.
Por que razão não haverão eles de se casar? E por que não hão eles de adoptar crianças? Seremos nós tão idiotas ao ponto de acharmos que um casal homossexual tem menos aptidão para educar uma criança do que o casal heterossexual, mesmo que este se drogue ou se espanque diante dos filhos?
O conceito de família não pode ser tão estanque.
Amar e deixar-se amar, respeitar e tolerar, amparar e apoiar – construir um espaço físico, psicológico e emocional pleno de harmonia.
Isso é que deve ser a vida em família.

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